Há uma relação intrínseca entre a expressão de uma identidade e o espaço. Isto significa que identidade envolve uma relação com sítios em particular e, também, que certos espaços actuam como sítios para a prática dessa identidade.
Quando falamos de identidades expressivas e alternativas, ou neo-tribes, os locais ditos marginais, os que se situam na margem da sociedade, como locais escondidos na cidade, têm a potencialidade de serem locais de resistência e creatividade e podem ser usados como perspectivas alternativas de ver a cidade.
Ora, os vazios urbanos são talvez, dos espaços que compõem a cidade, os que melhor se enquadram na definição de espaços marginais e são, portanto, aqueles que mais facilmente suportam a função de centro simbólico onde os valores e práticas associados a uma indentidade são executados.
Sejam eles os vazios urbanos tipificados por Bernardo Secchi (são zonas que fundamentalmente esperam por uma definição morfológica. Resultam da desafectação do vasto arsenal de infra-estruturas do século XIX, como sistemas de caminhos-de-ferro, docas, ou complexos industriais), tão cedo como 1984, ou os terrain vague de Ignasi de Solà-Morales (espaços residuais da cidade pós-industrial. Este termo sublinha as complexidades inerentes aos espaços vazios, em desuso, e abandonados na cidade), ou os espaços que se tornaram vazios pela falta de um papel reconhecível na cidade (detectam-se no padrão típico do pós-guerra, são os espaços entre as coisas, entre os imensos objectos que são colocados pela cidade, uns a seguir aos outros. Reflectem uma sociedade contemporânea desfragmentada), todos têm um potencial de se tornarem espaços de ocasião, onde os valores e visões políticas, daqueles que partilham a mesma estrutura de pensamento, podem ser expressos e à volta dos quais identidades de grupos que se situam na margem da sociedade podem ser, ao mesmo tempo, executadas.
É a autenticidade e liberdade destes centros simbólicos, fora da rotina diária e valores da sociedade (simbólicamente fora da sociedade), que é procurada como forma de estabelecer e manter identidades alternativas e expressivas.
Se os espaços eles próprios investem os valores dos grupos envolvidos, se passam a ter uma centralidade social, então pode descrever-se este processo como utópico.
Utopia não é somente ideias acerca de um novo tipo de sociedade (perfeita), é, acima de tudo, acerca de práticas no espaço.
Uma visão utópica e a ordem moral que se pretende demonstrar são postas em prática através da anexação de ideias sobre uma sociedade melhor a lugares particulares.
Estes actos são sempre formas de oposição à ordem social, no entanto, identidades são formas de ordenamento.
A utopia associada a estes lugares não recai somente em atitudes de resistência, trangressão ou num modo de fazer visível uma alternativa, mas é também acerca de ordenar identidades em condições de incerteza.
Ir para uma margem e viver uma vida diferente, de forma altenativa, é um acto político, tal como manifestar-se ou actuar de forma visível é um meio de estabelecer e articular uma identidade distincta.
Estas práticas, estes actos de resistência, não resultam, de modo algum, na dissolução da sociedade. Pelo contrário, produzem modos alternativos de ordem social, expressões de uma utopia que se tornam o veículo para a execução de identidades.
É muito difícil, nos dias de hoje, caracterizarmos uma sociedade (não se consegue falar de uma identidade nacional, por exemplo) e vivemos cada vez mais à laia de pequenos grupos com os quais nos identificamos. Conflito, divisão e instabilidade, portanto, não destroem o espaço público, democrático, mas são as condições da sua existência.
O papel da arquitectura, que sempre foi o da imposição de formas, limites e ordem, é inevitavelmente problemático no que toca aos vazios urbanos. Se vivemos numa era onde a identidade pessoal não é estável, ou singular, e possui um potencial libertador, a atribuição de uma forma morfológica clara a estes espaços, quer de uma maneira inteligente quer de uma maneira mais tradicional em termos urbanísticos, resulta sempre numa intervenção reductora, que não traduz a verdadeira complexidade de uma sociedade fragmentada.
Os arquitectos têm a tendência de projectar no sentido de remover a condição negativa associada aos vazios urbanos ou de resolver os problemas de um lugar através do desenho.
Quando a arquitectura actua sobre um vazio urbano, parece incapaz de fazer alguma coisa além de introduzir transformações violentas, dissolver a magia incontaminada do obsoleto no realismo da eficiência, transformar o incultivável no produtivo, o vazio no construído.
Para que não se torne num instrumento de poder e razão abstracta, a arquitectura deve actuar com atenção à continuidade: não a continuidade da cidade planeada, eficiente e legítima, mas dos fluxos, energias e ritmos estabelecidos pela passagem do tempo e da perca de limites.
A vida urbana deve gerir-se à volta de um modelo de conflito, onde a necessidade total de determinação, coesão e harmonia não tem precedência.
Não vamos agora cair na tentação de preservar todos os vazios urbanos, a cidade tanto precisa destes como de todos os outros espaços que nela possam existir. É preciso avaliar as condições da sua génese e verificar a sua importância relativa no contexto urbano particular de cada cidade.
Todos os diferentes grupos que partilham uma estrutura de pensamento precisam dos seus espaços para praticarem as suas utopias e concerteza que nem todos constituem os vazios urbanos como os seus centros simbólicos.
Se todos vivessemos na margem, esta deixaria de existir. É preciso haver nós e os Outros, ordem e desordem, limites e falta deles.
_diogo
Quando falamos de identidades expressivas e alternativas, ou neo-tribes, os locais ditos marginais, os que se situam na margem da sociedade, como locais escondidos na cidade, têm a potencialidade de serem locais de resistência e creatividade e podem ser usados como perspectivas alternativas de ver a cidade.
Ora, os vazios urbanos são talvez, dos espaços que compõem a cidade, os que melhor se enquadram na definição de espaços marginais e são, portanto, aqueles que mais facilmente suportam a função de centro simbólico onde os valores e práticas associados a uma indentidade são executados.
Sejam eles os vazios urbanos tipificados por Bernardo Secchi (são zonas que fundamentalmente esperam por uma definição morfológica. Resultam da desafectação do vasto arsenal de infra-estruturas do século XIX, como sistemas de caminhos-de-ferro, docas, ou complexos industriais), tão cedo como 1984, ou os terrain vague de Ignasi de Solà-Morales (espaços residuais da cidade pós-industrial. Este termo sublinha as complexidades inerentes aos espaços vazios, em desuso, e abandonados na cidade), ou os espaços que se tornaram vazios pela falta de um papel reconhecível na cidade (detectam-se no padrão típico do pós-guerra, são os espaços entre as coisas, entre os imensos objectos que são colocados pela cidade, uns a seguir aos outros. Reflectem uma sociedade contemporânea desfragmentada), todos têm um potencial de se tornarem espaços de ocasião, onde os valores e visões políticas, daqueles que partilham a mesma estrutura de pensamento, podem ser expressos e à volta dos quais identidades de grupos que se situam na margem da sociedade podem ser, ao mesmo tempo, executadas.
É a autenticidade e liberdade destes centros simbólicos, fora da rotina diária e valores da sociedade (simbólicamente fora da sociedade), que é procurada como forma de estabelecer e manter identidades alternativas e expressivas.
Se os espaços eles próprios investem os valores dos grupos envolvidos, se passam a ter uma centralidade social, então pode descrever-se este processo como utópico.
Utopia não é somente ideias acerca de um novo tipo de sociedade (perfeita), é, acima de tudo, acerca de práticas no espaço.
Uma visão utópica e a ordem moral que se pretende demonstrar são postas em prática através da anexação de ideias sobre uma sociedade melhor a lugares particulares.
Estes actos são sempre formas de oposição à ordem social, no entanto, identidades são formas de ordenamento.
A utopia associada a estes lugares não recai somente em atitudes de resistência, trangressão ou num modo de fazer visível uma alternativa, mas é também acerca de ordenar identidades em condições de incerteza.
Ir para uma margem e viver uma vida diferente, de forma altenativa, é um acto político, tal como manifestar-se ou actuar de forma visível é um meio de estabelecer e articular uma identidade distincta.
Estas práticas, estes actos de resistência, não resultam, de modo algum, na dissolução da sociedade. Pelo contrário, produzem modos alternativos de ordem social, expressões de uma utopia que se tornam o veículo para a execução de identidades.
É muito difícil, nos dias de hoje, caracterizarmos uma sociedade (não se consegue falar de uma identidade nacional, por exemplo) e vivemos cada vez mais à laia de pequenos grupos com os quais nos identificamos. Conflito, divisão e instabilidade, portanto, não destroem o espaço público, democrático, mas são as condições da sua existência.
O papel da arquitectura, que sempre foi o da imposição de formas, limites e ordem, é inevitavelmente problemático no que toca aos vazios urbanos. Se vivemos numa era onde a identidade pessoal não é estável, ou singular, e possui um potencial libertador, a atribuição de uma forma morfológica clara a estes espaços, quer de uma maneira inteligente quer de uma maneira mais tradicional em termos urbanísticos, resulta sempre numa intervenção reductora, que não traduz a verdadeira complexidade de uma sociedade fragmentada.
Os arquitectos têm a tendência de projectar no sentido de remover a condição negativa associada aos vazios urbanos ou de resolver os problemas de um lugar através do desenho.
Quando a arquitectura actua sobre um vazio urbano, parece incapaz de fazer alguma coisa além de introduzir transformações violentas, dissolver a magia incontaminada do obsoleto no realismo da eficiência, transformar o incultivável no produtivo, o vazio no construído.
Para que não se torne num instrumento de poder e razão abstracta, a arquitectura deve actuar com atenção à continuidade: não a continuidade da cidade planeada, eficiente e legítima, mas dos fluxos, energias e ritmos estabelecidos pela passagem do tempo e da perca de limites.
A vida urbana deve gerir-se à volta de um modelo de conflito, onde a necessidade total de determinação, coesão e harmonia não tem precedência.
Não vamos agora cair na tentação de preservar todos os vazios urbanos, a cidade tanto precisa destes como de todos os outros espaços que nela possam existir. É preciso avaliar as condições da sua génese e verificar a sua importância relativa no contexto urbano particular de cada cidade.
Todos os diferentes grupos que partilham uma estrutura de pensamento precisam dos seus espaços para praticarem as suas utopias e concerteza que nem todos constituem os vazios urbanos como os seus centros simbólicos.
Se todos vivessemos na margem, esta deixaria de existir. É preciso haver nós e os Outros, ordem e desordem, limites e falta deles.
_diogo
2 comentários:
tivesses ido à trienal de arquitectura de lisboa (sobre vazios) ficavas concerteza desapontado, não há reflexão, só o óbvio.
Não censuro ninguém e, de certa forma, compreendo. Como disse, não vamos agora desatar a proteger os vazios urbanos e deixar que as pessoas colonizem estes lugares, que se prendem quase sempre com uma visão utópica da cidade e da vida urbana, pois isso nunca vai acontecer a uma grande escala. O óbvio também é preciso, e se calhar mais do que os vazios.
Escrever estas coisas é muito bonito, o mais difícil é pô-las em prática.
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