sexta-feira, junho 29, 2007

hortas



O tema hortas urbanas é falado há muito. Tem sido debatido e defendido, e o Gonçalo Ribeiro Telles constantemente fala da importância da agricultura urbana, da relevância que já vem tendo em muitas cidades e dos contínuos relatórios da FAO que suportam estas ideias.
Penso que em Lisboa há um dado que tem de ser acrescentado à discussão para que se clarifiquem as coisas: o número de hortas em Lisboa aumenta a um ritmo impressionante e não são vestígios de um passado rural.
As causas desta vaga de ocupação de terrenos para hortas serão várias, mas os emigrantes recentes que procuram um complemento a péssimos ordenados e os reformados que por um lado têm reformas miseráveis e por outro não têm ocupação, são os principais actores deste fenómeno recente.
É portanto inconcebível que a C.M.L. e as restantes câmaras da área metropolitana estejam completamente insensíveis para uma verdadeira accção de cidadania activa por parte destas pessoas, e que o papel de um planeamento que tenha dados como este em conta poderia pelo menos começar a atenuar as diferenças brutais entre centro e periferia. Poderia assim surgir uma periferia em que os espaços sobrantes (agora tão falados e discutidos, e aliás tema da Trienal de Arquitectura de Lisboa, actualmente a decorrer) ganhassem potencial e que fossem o tal factor de esbatimento de diferenças. E este potencial não aparecerá, por um lado, enquanto todos os terrenos da área metropolitana de Lisboa que não estão construídos forem espaços em espera para construção, espaços comandados pela especulação imobiliária, e por outro, enquanto a accção das autarquias e possíveis atribuições de usos a vazios urbanos(1) não forem feitos de acordo com a vontade dos habitantes desses territórios.
Esta sensibilidade para com as vontades locais tem inúmeras vantagens, principalmente a possibilidade de poder contar com a população para manutenção do espaço que foi por eles desejado. As hortas urbanas são um óptimo exemplo, a intervenção camarária que seria necessária seria fundamentalmente ao nível da cedência de terrenos, e gestão dessas cedências, e da criação de infraestruturas como sistemas de rega, etc. Não exigiriam nem metade dos custos de um parque urbano convencional.
Deixo como sugestão, para quem tenha algum interesse pelo assunto, ou que queira passar um dia no campo sem praticamente sair do centro de Lisboa, uma visita a Marvila e ao Vale de Chelas. Aqui fica um plano de como chegar aos melhores locais.


este texto é feito com base nas ideias de um texto escrito no jornal Movemento, em conjunto com Pedro, as fotografias são da Felipa.
Diogo publiquei este texto com o mapa, marcado e tudo, antes de ler o teu último comentário! e depois vim corrigi-lo e acrescentar isto! Já sou geek...


(1) a definição vazio urbano é aliás muito interessante, segundo a mesma os vazios não fazem parte do urbano. O que é então urbano? A construção?



_manel

quinta-feira, junho 28, 2007

fitares

IC19, sai-se em Rio de Mouro/Rinchoa. Sobe-se um monte enorme, anda-se às voltas. No cimo do monte há duas ruas que seguem o festo, estamos em Fitares. São duas ruas com prédios de doze andares que não têm mais de dez anos. No princípio dessa rua há o Shopping Fitares, no final uma rotunda-miradouro, nessa rotunda miradouro também há um café. Do miradouro vê-se a Serra da Carregueira, e um vale enorme com algumas hortas, uma linha do comboio e várias sucatas. É quase impossível descer o monte em direcção à serra, resta-nos voltar ao IC19.


_manel

segunda-feira, junho 25, 2007

Increase your Albedo!

Já aqui se falou do Canary Project [28.06.2006], e volta-se agora a falar a propósito do novo projecto, deste grupo de artistas nova-iorquinos que pretende chamar a atenção para a urgente realidade dos problemas relacionados com as alterações climáticas através da fotografia e outros meios, Increase your Albedo!.

É através do mundo da moda que esta campanha quer chegar ao maior número de pessoas possível e mostrar que todos nós podemos fazer qualquer coisa para mudar o cenário.
Diversas modelos foram vestidas de branco e ao longo do próximo ano elas vão correr as festas e eventos culturais (cuidado com as nódoas de vinho)
de Nova Iorque e outras cidades para mostrarem os problemas relacionados com o albedo.
Há também a sugestão para cada um de nós começar a usar roupas brancas , a ideia é fazer aumentar o nosso albedo - retirar o essencial do Sol e mandar o restante de volta para o espaço.




Pois eu acho que esta campanha (e este tipo de campanhas em geral) não funciona. Não só ninguém vai começar a usar roupas brancas só para aumentar o seu albedo (e isto passar-se-á não necessariamente por falta de interesse mas por falta de dados que sugiram que alguma coisa pode eventualmente mudar se todos vestissemos branco) como as entidades que realmente poderiam fazer alguma diferença não serão abarcadas pela campanha.
Não pretendo com isto dizer que acções de individuais não levam a nada, mas só usar roupa branca não é suficiente de certeza. Há uma enorme m
agnitude de acções de podem ser levadas a cabo todos os dias, mas estas têm que ser concertadas. Não sei como será exposto o problema nestas festas e eventos sociais mas, pelo que "vejo", só se pretende mostrar o albedo e os seus efeitos, sem se apontarem soluções ou medidas para além das já tão faladas roupas brancas.
Há também uma certa ironia nisto tudo, é que há alguma tendência para os artistas se vestirem de preto!

Referências: http://www.canary-project.org/ e http://canary-project.org/albedo/
Para quem quer fazer mais e tomar medidas concretas: http://www.fightglobalwarming.com/


_diogo

quarta-feira, junho 20, 2007

Discutir apenas os erros do modernismo e as “magias” do pós-modernismo pode-se tornar demasiado estúpido

Nos livros ensinam-me a ser um pós-modernista, a rir à galhofa dos erros dos modernistas. Eles, os modernaços, eram mesmo estúpidos e agora nós os novos senhores da verdade, somos muita espertos. A pergunta que sempre me saiu foi, “O que é isso da cidade modernista, ou da pós, ou dos outros ismos todos?”.

Por esses livros e conferências de gente toda metafísica, que fala muito intelectualmente, “que Eu acho isto e o outro acha aquilo” ninguém fala da participação das pessoas, de vez em quando, até sim, mas só na teoria. Onde está essa participação? Em vez de teorizarem tanto sobre se o pilar devia ter mais um metro, para assim enaltecer a posição do homem quando caminha, ou se o parque devia ter um, dois, ou três hectares, com formas x.p.t.o., porque converge boas energias sociais, deviam mas é perguntar às pessoas o que elas querem construir e desenvolver teorias para implementar a participação colectiva. Esses dos livros e das conferências dizem “essa gentalha não tem consciência”, Claro que têm, A De Querer Viver Bem, e enquanto não lhes derem o poder de construir a casa, o bairro e as cidades menos terão, sem elas daqui a uns anos virão outros pós-qualquer-coisa-istas dizer, “errámos novamente”. Só com todas as pessoas é que teremos melhores cidades. Primeiro dêm-se as ferramentas , depois desenvolvam-se as ideias.

No mundo somos 6 mil milhões, 3 mil milhões vivem em cidades e mil milhões em bairros de lata. É neste Ponto que os ismos vão no caraças. Não é se os Olivais são mais habitáveis que Telheiras e se a Cité radieuse menos que os bairros da IBA(87) de Berlim, é 1/6 do mundo que vive em barracas. Cidades que crescem desenfreadamente em África, devido à guerra, e impossibilidade de vender produtos do mundo rural quando os seus mercados são infectados com produtos a preços mais baixos dos E.U.A. e Europa, levando massas de população para as Babeis (71% da população urbana na África-subsariana vive em favelas, Luanda que tinha 600 mil habitantes no fim dos anos 70 agora tem 4,5 milhões).
É a industrialização mega-Capitalista na Índia e na China que leva a um êxodo rural megalómano. Na televisão e na escola dizem-nos para nos preocuparmos com a competição chinesa e indiana que nos vai tirar a guita toda. Das cidades sujas, irrespiráveis para cá termos o sapato da marca x e a t-shirt da marca y, já ninguém fala, muito menos explicar que as empresas que andam por lá são as nossas fofinhas (50% da pop. Urbana na Ásia-meriodonal “enlatada”, 35% da pop. urbana da Ásia-oriental “embarracada”, Bombaim 18 milhões de corpos andantes, Xangai outros mais). E agora o clássico da América do Sul, que nos entra pelos olhos adentro, mesmo que muito disfarçadamente, nas telenovelas da Globo, aqui o êxodo é mais antigo, praí anos 60/70, com a tanga da revolução verde que ia acabar com a fome e melhorar as condições dos agricultores, os latifundiários apoderam-se do resto da terra que não dominavam, e toma lá um pontapé no rabo e vai trabalhar para a fábrica da cidade (31% da pop. Urbana da América Latina e Caraíbas “enfavelada”, Cidade do México 20 milhões de pessoas de carne e osso, São Paulo 19 milhões).

Para as pessoas destes bairros a participação pública é inevitável, os técnicos serão apenas os colaboradores. Assim e só assim teremos melhores cidades.

Em vez de toda a gente estar a teorizar sobre Coisinhas, não é que seja mau, claro que também é muito importante, mas acho que talvez devesse-mos começar a pensar um pouco mais sobre Coisonas. Com isto tudo, parece-me que discutir apenas os erros do modernismo e as “magias” do pós-modernismo pode-se tornar demasiado estúpido.

Todos os números deste texto provêm de dados da ONU


_pedro

sábado, junho 02, 2007

É necessário manter a marginalidade

Há uma relação intrínseca entre a expressão de uma identidade e o espaço. Isto significa que identidade envolve uma relação com sítios em particular e, também, que certos espaços actuam como sítios para a prática dessa identidade.

Quando falamos de identidades expressivas e alternativas, ou neo-tribes, os locais ditos marginais, os que se situam na margem da sociedade, como locais escondidos na cidade, têm a potencialidade de serem locais de resistência e creatividade e podem ser usados como perspectivas alternativas de ver a cidade.

Ora, os vazios urbanos são talvez, dos espaços que compõem a cidade, os que melhor se enquadram na definição de espaços marginais e são, portanto, aqueles que mais facilmente suportam a função de centro simbólico onde os valores e práticas associados a uma indentidade são executados.
Sejam eles os vazios urbanos tipificados por Bernardo Secchi (são zonas que fundamentalmente esperam por uma definição morfológica. Resultam da desafectação do vasto arsenal de infra-estruturas do século XIX, como sistemas de caminhos-de-ferro, docas, ou complexos industriais), tão cedo como 1984, ou os terrain vague de Ignasi de Solà-Morales (espaços residuais da cidade pós-industrial. Este termo sublinha as complexidades inerentes aos espaços vazios, em desuso, e abandonados na cidade), ou os espaços que se tornaram vazios pela falta de um papel reconhecível na cidade (detectam-se no padrão típico do pós-guerra, são os espaços entre as coisas, entre os imensos objectos que são colocados pela cidade, uns a seguir aos outros. Reflectem uma sociedade contemporânea desfragmentada), todos têm um potencial de se tornarem espaços de ocasião, onde os valores e visões políticas, daqueles que partilham a mesma estrutura de pensamento, podem ser expressos e à volta dos quais identidades de grupos que se situam na margem da sociedade podem ser, ao mesmo tempo, executadas.

É a autenticidade e liberdade destes centros simbólicos, fora da rotina diária e valores da sociedade (simbólicamente fora da sociedade), que é procurada como forma de estabelecer e manter identidades alternativas e expressivas.

Se os espaços eles próprios investem os valores dos grupos envolvidos, se passam a ter uma centralidade social, então pode descrever-se este processo como utópico.
Utopia não é somente ideias acerca de um novo tipo de sociedade (perfeita), é, acima de tudo, acerca de práticas no espaço.
Uma visão utópica e a ordem moral que se pretende demonstrar são postas em prática através da anexação de ideias sobre uma sociedade melhor a lugares particulares.

Estes actos são sempre formas de oposição à ordem social, no entanto, identidades são formas de ordenamento.
A utopia associada a estes lugares não recai somente em atitudes de resistência, trangressão ou num modo de fazer visível uma alternativa, mas é também acerca de ordenar identidades em condições de incerteza.
Ir para uma margem e viver uma vida diferente, de forma altenativa, é um acto político, tal como manifestar-se ou actuar de forma visível é um meio de estabelecer e articular uma identidade distincta.

Estas práticas, estes actos de resistência, não resultam, de modo algum, na dissolução da sociedade. Pelo contrário, produzem modos alternativos de ordem social, expressões de uma utopia que se tornam o veículo para a execução de identidades.

É muito difícil, nos dias de hoje, caracterizarmos uma sociedade (não se consegue falar de uma identidade nacional, por exemplo) e vivemos cada vez mais à laia de pequenos grupos com os quais nos identificamos. Conflito, divisão e instabilidade, portanto, não destroem o espaço público, democrático, mas são as condições da sua existência.
O papel da arquitectura, que sempre foi o da imposição de formas, limites e ordem, é inevitavelmente problemático no que toca aos vazios urbanos. Se vivemos numa era onde a identidade pessoal não é estável, ou singular, e possui um potencial libertador, a atribuição de uma forma morfológica clara a estes espaços, quer de uma maneira inteligente quer de uma maneira mais tradicional em termos urbanísticos, resulta sempre numa intervenção reductora, que não traduz a verdadeira complexidade de uma sociedade fragmentada.

Os arquitectos têm a tendência de projectar no sentido de remover a condição negativa associada aos vazios urbanos ou de resolver os problemas de um lugar através do desenho.
Quando a arquitectura actua sobre um vazio urbano, parece incapaz de fazer alguma coisa além de introduzir transformações violentas, dissolver a magia incontaminada do obsoleto no realismo da eficiência, transformar o incultivável no produtivo, o vazio no construído.
Para que não se torne num instrumento de poder e razão abstracta, a arquitectura deve actuar com atenção à continuidade: não a continuidade da cidade planeada, eficiente e legítima, mas dos fluxos, energias e ritmos estabelecidos pela passagem do tempo e da perca de limites.

A vida urbana deve gerir-se à volta de um modelo de conflito, onde a necessidade total de determinação, coesão e harmonia não tem precedência.

Não vamos agora cair na tentação de preservar todos os vazios urbanos, a cidade tanto precisa destes como de todos os outros espaços que nela possam existir. É preciso avaliar as condições da sua génese e verificar a sua importância relativa no contexto urbano particular de cada cidade.
Todos os diferentes grupos que partilham uma estrutura de pensamento precisam dos seus espaços para praticarem as suas utopias e concerteza que nem todos constituem os vazios urbanos como os seus centros simbólicos.
Se todos vivessemos na margem, esta deixaria de existir. É preciso haver nós e os Outros, ordem e desordem, limites e falta deles.



_diogo