quinta-feira, novembro 15, 2007

Os novos antropófagos: Artistas da periferia de São Paulo lançam sua própria Semana de Arte Moderna



Manifesto da Antropofagia Periférica

"A Periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor. Dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune. Eis que surge das ladeiras um povo lindo e inteligente galopando contra o passado. A favor de um futuro limpo, para todos os brasileiros.A favor de um subúrbio que clama por arte e cultura, e universidade para a diversidade. Agogôs e tamborins acompanhados de violinos, só depois da aula.Contra a arte patrocinada pelos que corrompem a liberdade de opção. Contra a arte fabricada para destruir o senso crítico, a emoção e a sensibilidade que nasce da múltipla escolha.A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.A favor do batuque da cozinha que nasce na cozinha e sinhá não quer. Da poesia periférica que brota na porta do bar.Do teatro que não vem do “ter ou não ter...”. Do cinema real que transmite ilusão.Das Artes Plásticas, que, de concreto, querem substituir os barracos de madeira.Da Dança que desafoga no lago dos cisnes.Da Música que não embala os adormecidos.Da Literatura das ruas despertando nas calçadas.A Periferia unida, no centro de todas as coisas.Contra o racismo, a intolerância e as injustiças sociais das quais a arte vigente não fala.Contra o artista surdo-mudo e a letra que não fala.É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o artista-cidadão. Aquele que na sua arte não revoluciona o mundo, mas também não compactua com a mediocridade que imbeciliza um povo desprovido de oportunidades. Um artista a serviço da comunidade, do país. Que, armado da verdade, por si só exercita a revolução.Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e nos hipnotiza no colo da poltrona.Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas, museus, teatros e espaços para o acesso à produção cultural.Contra reis e rainhas do castelo globalizado e quadril avantajado.Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior. Miami pra eles? “Me ame pra nós!”.Contra os carrascos e as vítimas do sistema.Contra os covardes e eruditos de aquário.Contra o artista serviçal escravo da vaidade.Contra os vampiros das verbas públicas e arte privada.A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.Por uma Periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor.É TUDO NOSSO!"

Sérgio Vaz
Poeta da Periferia


A semana de 2007

No Manifesto Antropófago, lançado em 1928, Oswald de Andrade data o início do Brasil por um episódio insólito: a morte do Bispo Sardinha, devorado por índios canibais. É uma ironia para definir o conceito de arte antropofágica: os primeiros brasileiros digeriram ­ literalmente ­ a cultura européia. Com o Manifesto da Antropofagia Periférica, os organizadores da Semana de 2007 escrevem um capítulo inédito. Nele, os novos antropófagos tratam pouco de estética, muito de política e de comportamento. Sérgio Vaz comenta os principais pontos:1) Somos periféricos“Ninguém gosta de esgoto a céu aberto nem de barraco. Mas nós queremos mudar a periferia ­ e não da periferia.”2) Criamos nosso mercado“Nós produzimos a nossa arte. Estamos criando um outro mercado, o nosso. Vamos comprar nossos CDs, nossos livros, nossos filmes.”3) Sabemos consumir“Ninguém nos diz o que devemos consumir. Não podemos boicotar o Cirque du Soleil porque nunca tivemos dinheiro pra pagar. Mas podemos boicotar Ivete Sangalo, livro de auto-ajuda, um monte de coisas. Não queremos nossas filhas dançando na boquinha da garrafa nem cantando Festa no Apê. Nem nossos filhos precisando de tênis Nike. Nós boicotamos o pirata, porque não somos cidadãos de segunda classe, e boicotamos o original porque é ruim ou é caro ou não precisamos.”4) Queremos educação“Revolução sem r é evolução. Queremos escola de qualidade. Não pregamos a saída pela arte. Não dá pra todo mundo virar artista. As ONGs querem ensinar o povo a cantar e a dançar. A gente não agüenta esse discurso ongueiro, que pega R$ 1 milhão pra ensinar a batucar. TV, pra nós, é entretenimento. Nos preocupa a televisão que educa. Queremos escola que eduque. Se a escola educar, nossos filhos vão saber ver TV.”5) O artista tem de ser cidadão“Queremos artista comprometido com a comunidade. Não queremos arte que imbeciliza, teatro que quando acaba dá pra comer pizza, música que vende guaraná de manhã, macarrão à tarde e carro às 15 pras 8. Somos contra artista enriquecer. ”

Eliane Brum

"Poesia, artes plásticas, música e literatura. Assim como a Semana de Arte Moderna de 1922, evento que marcou a insatisfação dos artistas brasileiros com a arte vigente no começo do século XX, a periferia quer mostrar a cara e provar que nas franjas da sociedade também se faz arte de qualidade. Trata-se da Semana de Arte Moderna da Periferia – a Semana de 2007, que, entre os dias 5 e 10 de novembro, transformará espaços públicos de diversos pontos da zona sul da cidade de São Paulo (SP) numa mostra de artes produzida na periferia."
Karina Costa
Isto é um excerto do manifesto da antropofagia periférica que está a animar a periferia de São Paulo e a mobilizar muita gente no sentido de lutar por mudanças, tanto das imagens e discursos produzidos acerca destas áreas periférias (muitas vezes preconceituosas, rotulando-as de lugares do crime, vazios de iniciativas culturais e sociais, etc.), como das condições de vida dos seus habitantes. Aqui têm alguns links para poderem espreitar e desfrutar :)



clau_dinha



quinta-feira, novembro 08, 2007

Já Não Tenho Medo desses Patos Bravos*

Nos vidros da janela do meu quarto vêm-se as sombras dos patos bravos que sobrevoam a cidade, sinto um arrepio e escondo-me debaixo dos lençóis. Os seus olhos vêm frutos em qualquer território, as suas presas são fáceis porque existem patos bravos disfarçados de pessoas, preparam emboscadas para também ficarem com a carne, levam-nas sem que estas possam voltar. As suas asas deixam um rasto de destruição, os seus dentes desfazem qualquer símbolo de beleza, eles comem tudo e não deixam nada. Sei que nos vão perseguir, porque sempre o fizeram.

De noite oiço as ordens furiosas que mandam destruir os vales e as montanhas, as pedras e as árvores, para assim construírem betão até aos céus. Lá fora tanta gente sem casa, tanta casa sem gente, eles formam bandos que especulam, que especulam sem parar, o papo inchado quase rebenta de tanto cheio estar.

Tenho medo e só há uma forma de os parar, Juntar-me aqueles que também os receiam, ir lá fora encher o peito e gritar! Gritar até os afugentar!

*Patos bravos são todos aqueles que lucram com a construção massiva e desordenada que se vêm por essas terras fora. Os Patos Bravos não são apenas aqueles que coordenam as operações do betão, são principalmente todos os que controlam e colaboram com a especulação imobiliária. Constroem sobre bons solos e zonas ecologicamente frágeis, minando assim o nosso futuro. Destroem bairros, deixando pessoas sem sítio para dormir, constroem urbanizações sociais isoladas, descaracterizadas e já de base a cair, impossibilitando o direito a uma vida digna. A todos os patos bravos um grito para os afugentar.

Este texto foi escrito para integrar o Jornal Movementos - Pensar e Viver a Cidade. Do Movimento do I.S.A. ]move[ movimento aberto por outra vida na escola

_pedro