quinta-feira, março 30, 2006

"Que farei quando tudo arde?" António Lobo Antunes

O espaço exterior deixa de ser apenas uma imagem inerte, transformando-se num poço de sentimentos, um passado e um presente de relações inter-pessoais, de sofrimento e de felicidade. Os vários elementos que compoêm os lugares vão sendo descritos separadamente, sobrepondo-se ao longo do livro até construir uma imagem por inteiro. Lobo Antunes volta ao passado e ao mesmo local muitas vezes ao longo da narrativa, chegando a um auge onde deixa de ser necessário referir o nome do sítio ou da pessoa, dando apenas um elemento da paisagem para que o leitor perceba onde a personagem está e consequentemente o que sente (um elemento da paisagem transforma-se na sua totalidade), "e as gaivotas não é verdade, detestáva-las e no entanto não esqueceste as gaivotas, a forma como devoravam o peixe, esses gritos de criança à tarde", para quê mais palavras? porque dizer eu odiava o meu pai Travesti, a minha mãe Puta, o degredo da minha vida associada aos meus progenitores, se posso dizer "odiava as gaivotas do Bico da Areia!".
Neste livro o "Cá Dentro" aparece como oposição ao "Lá Fora", o Interior, lugar de opressão e sofrimento, o Exterior, como fuga da tristeza, "Julgávamos que se tinha ido embora e as notazinhas a mofarem da gente, o Rui a suspender a guita e veia alguma, uma constelação de feridinhas, atira-lhe uma pedra Paulo, um bocado de tijolo, um torrão, uma merda qualquer que o bicho dá-me cabo dos nervos, o meu quarto nos Anjos a seguir ao quarto da finada,. quase todas as noites despertava cuidando escutá-la, sentava-me na cama a ouvir até me dar conta que era a dona Helena e no dia seguinte rosas novas na jarra, compradas no mercado mais a carne, os tomates, o oregão, não escarlates, quase rosas, procurar os guaches e pintá-las de azul, pintar o sol na parede e as nuvens e as ondas, não as ondas do Bico da Areia, ondas a sério, grandes, quantas vezes ao tornar de Chelas dava com a dona Helena no sofá e o senhor Couceiro a segurar-lhe a mão e como não sou capaz de fazer as coisas de maneira diferente magoá-los por me preocupar com eles, enfurecer-me por os magoar e castigar-me magoando-os mais";
" - Queres apanhar um tabefe não queres malcriada? um cão invisível no quintal antes do nosso..."


_pedro

1 comentário:

Anónimo disse...

Viva. Gostaria de usar este seu post como opinião sobre o livro citado no site (não oficial) de António Lobo Antunes. Por favor escreva para lobowebsite@sapo.pt caso de oponha à sua utilização. Obrigado.

José Alexandre Ramos