Acerca da pretensa "recuperação da Torre-Paço de Évoramonte"...
"O alentejano que sobe ao alto do castelo de Évora-Monte, erguido ali ao lado da térrea casinha da Convenção onde a concórdia da família portuguesa foi assinada, ele que tem o sangue de Giraldo-sem-Pavor a correr-lhe nas veias, que assistiu às façanhas e hesitações do Condestável, e que fez parte da insurreição do Manuelinho, sente dentro de si o irreprimível orgulho dum homem predestinado. A seus pés desdobra-se o extenso palco do seu destino: a infindável planície a que dá vida e movimento. São os rios e ribeiros secos que faz transbordar de suor, os negros montados que alegra de vez em quando pintando de vermelho cada sobreiro, a sua casinha escarolada e erma como uma mimosa na botoeira, e as searas que ondulam e reverberam num aceno de abumdância. Um mundo livre sem muros, que deixou passar todas as invasões e permaneceu inviolado, alheio às mutações da história e ao fiel esforço que o granjeia. Nenhum limite no espaço e no tempo. Seja qual for o ponto cardial que escolha a inquietação, terá sempre o infinito diante de si, em pousio para qualquer sementeira. E essa eterna pureza e disponibilidade exaltam o ânimo do posssuidor." - (Miguel Torga)
Aconteceu há tempos recomendar a uma amiga, que não é portuguesa, e ainda não conhecia o Alentejo, que visitasse Évoramonte. Tinha eu na memória sentimentos parecidos áqueles que Miguel Torga descreve... Qual não é o meu espanto ao receber de volta : "gostei bastante de Évoramonte, é pena é o arranjo da torre ser tão feio..."
O arranjo da torre?!
E realmente, pouco depois deparo-me com o artigo "Escalada verde ao topo da história - A recuperação da envolvente da Torre-Paço de Évoramonte primou pela discrição. A intervenção não se sobrepõe ao edifício histórico, mas confere ao espaço uma graça há muito esquecida." no Jornal Arquitecturas de Abril de 2006. Descreve o artigo o projecto dos arquitectos-paisagistas Francisco Caldeira Cabral e Alexandre Lisboa.
Depois de lido o texto e vistas as fotografias não posso deixar de concordar com a minha amiga. De concordar plenamente.
As casas de emigrante há muito que estão identificadas e encaixadas no difícil de classificar, feio (embora pareça começar a estar na moda dizer bem destas). Para as casas de "estilo Lapa", designação de José Manuel Fernandes para a emergente neo-arquitectura tradicional, apesar de alastrarem como cogumelos, há sempre a consolação de uma grande parte não serem projecto de arquitectos. E este novo estilo que surge, e que me parece ser uma constante em todos os projectos decorrentes do Polis? Sim, porque há um sem número de tiques que se repetem em todos os projectos, e deixam antever o nascimento de uma nova corrente...
Este novo projecto de Évoramonte, na minha opinião, está claramente integrado na nova "corrente". Ou talvez a receita seja: "a nova corrente" + "o género de recuperação feita em adeias como Figueira de Castelo Rodrigo e Monsaraz". Frases como "(...) os arquitectos trabalharam na definição de caminhos a seguir pelos visitantes, mas através de uma intervenção minimalista, o mais neutra possível, que não introduzisse alterações topográficas profundas e não comprometesse a preponderância da torre. A subtileza da obra no entanto não significou traços tímidos. Pelo contrário o traçado é fortemente marcado, como forma de identificar a intervenção contemporânea, em contraste com o preexistente." Olho para as fotografias e não percebo. Não percebo mesmo. E continua "Só se tivéssemos um ego demasiado grande é que poríamos ali qualquer coisa que se impusesse à Torre-Paço". Continuo sem perceber.
Falta-me ir a Évoramonte, mas estou com medo...
Do Sul
O branco branquíssimo do muro:
a beleza concreta, acidulada,
do rigoroso espírito do Sul.
Eugénio de Andrade em "Alentejo"
_manel
"O alentejano que sobe ao alto do castelo de Évora-Monte, erguido ali ao lado da térrea casinha da Convenção onde a concórdia da família portuguesa foi assinada, ele que tem o sangue de Giraldo-sem-Pavor a correr-lhe nas veias, que assistiu às façanhas e hesitações do Condestável, e que fez parte da insurreição do Manuelinho, sente dentro de si o irreprimível orgulho dum homem predestinado. A seus pés desdobra-se o extenso palco do seu destino: a infindável planície a que dá vida e movimento. São os rios e ribeiros secos que faz transbordar de suor, os negros montados que alegra de vez em quando pintando de vermelho cada sobreiro, a sua casinha escarolada e erma como uma mimosa na botoeira, e as searas que ondulam e reverberam num aceno de abumdância. Um mundo livre sem muros, que deixou passar todas as invasões e permaneceu inviolado, alheio às mutações da história e ao fiel esforço que o granjeia. Nenhum limite no espaço e no tempo. Seja qual for o ponto cardial que escolha a inquietação, terá sempre o infinito diante de si, em pousio para qualquer sementeira. E essa eterna pureza e disponibilidade exaltam o ânimo do posssuidor." - (Miguel Torga)
Aconteceu há tempos recomendar a uma amiga, que não é portuguesa, e ainda não conhecia o Alentejo, que visitasse Évoramonte. Tinha eu na memória sentimentos parecidos áqueles que Miguel Torga descreve... Qual não é o meu espanto ao receber de volta : "gostei bastante de Évoramonte, é pena é o arranjo da torre ser tão feio..."
O arranjo da torre?!
E realmente, pouco depois deparo-me com o artigo "Escalada verde ao topo da história - A recuperação da envolvente da Torre-Paço de Évoramonte primou pela discrição. A intervenção não se sobrepõe ao edifício histórico, mas confere ao espaço uma graça há muito esquecida." no Jornal Arquitecturas de Abril de 2006. Descreve o artigo o projecto dos arquitectos-paisagistas Francisco Caldeira Cabral e Alexandre Lisboa.
Depois de lido o texto e vistas as fotografias não posso deixar de concordar com a minha amiga. De concordar plenamente.
As casas de emigrante há muito que estão identificadas e encaixadas no difícil de classificar, feio (embora pareça começar a estar na moda dizer bem destas). Para as casas de "estilo Lapa", designação de José Manuel Fernandes para a emergente neo-arquitectura tradicional, apesar de alastrarem como cogumelos, há sempre a consolação de uma grande parte não serem projecto de arquitectos. E este novo estilo que surge, e que me parece ser uma constante em todos os projectos decorrentes do Polis? Sim, porque há um sem número de tiques que se repetem em todos os projectos, e deixam antever o nascimento de uma nova corrente...
Este novo projecto de Évoramonte, na minha opinião, está claramente integrado na nova "corrente". Ou talvez a receita seja: "a nova corrente" + "o género de recuperação feita em adeias como Figueira de Castelo Rodrigo e Monsaraz". Frases como "(...) os arquitectos trabalharam na definição de caminhos a seguir pelos visitantes, mas através de uma intervenção minimalista, o mais neutra possível, que não introduzisse alterações topográficas profundas e não comprometesse a preponderância da torre. A subtileza da obra no entanto não significou traços tímidos. Pelo contrário o traçado é fortemente marcado, como forma de identificar a intervenção contemporânea, em contraste com o preexistente." Olho para as fotografias e não percebo. Não percebo mesmo. E continua "Só se tivéssemos um ego demasiado grande é que poríamos ali qualquer coisa que se impusesse à Torre-Paço". Continuo sem perceber.
Falta-me ir a Évoramonte, mas estou com medo...
Do Sul
O branco branquíssimo do muro:
a beleza concreta, acidulada,
do rigoroso espírito do Sul.
Eugénio de Andrade em "Alentejo"
_manel
2 comentários:
Subscrevo. Já tinha visitado o local, e senti um excesso da afirmação de alguém sobre o local. O lugar merecia mais contenção e quase seria melhor não lhe ter tocado.
Sérgio Camolas, Arquitecto
medo...muito medo!! concordo plenamente. Não vou lá há anos mas do encanto que me lembro de ter (ou o espírito do lugar), parece já não restar muito.
snif
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